7 de set. de 2010

O Ministério da Surra

Falava-se muito em construção de escolas, criação de empregos, distribuição de renda, e em como tudo isso ia criar a sociedade ideal, sem miséria, sem analfabetismo e com baixo indíce de crimes. Até iriam esquecer a corrupção, a sociedade seria perfeita, no que importa pra onde o dinheiro vai?
Mas o que funcionou para aquele país lá longe - ok, não tão longe assim ;) - foi a criação do Ministério da Surra.
Seu idealizador, a princípio, foi muito criticado. Teve suas fotos transformadas em máscara de boneco no Sábado de Aleluia. Era taxado de fascista, cruel e de inescrupuloso, como faziam questão lhe lembrar, no muro da sua própria casa. Mas não desanimou, levou o projeto adiante, reuniu especialistas, vós, mães e tias de fibra de todo o Bra-, digo, daquele país lá longe, e montaram as diretrizes do plano.
A estrutura do Ministério, sua legislação, aplicação e execução. Conforme a coisa ia engatinhando e tomando forma, ganhavam apoio popular. Só precisavam de um puxãozinho de alguém de cima. Foi quando aconteceu.
Um congressista de um certo partido, visto por muitos como subversivo, adotou a causa como plataforma política. Tomou o projeto como se fosse seu e virou a cara do Ministério. Dava discursos acalorados falando sobre tudo e a satisfação e admiração era vista facilmente em seus olhos. Se envolveu profundamente com o Ministério. Escutou as vós, principalmente, também as mães, tias, madrastas, vizinhas, babás, professoras. Se tornou um grande conhecedor e uma das maiores autoridades sobre o assunto. Em poucos meses já dava palestras.
Nas eleições seguintes, bateu por muito o segundo candidato. A população mostrou nas urnas que queria ver o Ministério.
Depois de alguns meses de barganhas e politicagem, conseguiu apoio no Congresso suficiente pra dar entrada no projeto de criação do Ministério. Agora que começava a guerra. Aprovar o que seria a salvação daquele país lá longe.
Foi mais fácil do que pensavam. Ninguém esperava que a movimentação popular chegasse a tal ponto. Cada congressista foi compelido pela sua base a aderir ao SIM. Pessoas acampavam em suas portas com cartazes clamando pelos seus votos a favor. Enviavam emails com milhares de assinaturas para seus comitês e assessorias. Tudo correu pacificamente e em perfeita ordem. Um ou outro mais empolgado pixou aqui e ameaçou ali. Mas isso seria resolvido assim que o Ministério estivesse em funcionamento.
Nos 2 anos seguintes as pessoas pra ocupar cargos de confiança foram selecionadas pessoalmente pelo idealizador do projeto, o deputado que o apoiou e um punhado de vós duronas, estas que também seriam encarregadas do treinamento. Não era só escolher um primo ou o filho do vizinho pra um cargo, não funcionaria assim. Eram feitos testes de seleção rigorosíssimos. Agentes foram deslocados pra diversas partes do país com fim de achar pessoas capazes.
Uma senhora, bem humilde, bem idosa, deixou cair o cheque da aposentadoria na rua. Foram 422 tentativas frustradas. Somente na 423ª alguém teve a brilhante ideia de ir atrás da senhora pra devolver o cheque. Foi designado Superintendente do 1º pelotão de execução.
Entra no ônibus uma mulher grávida, nada bonita, de roupas sem combinar, uma saia de bolinhas e um tomara-que-caia amarelo ovo e estampa xadrez. Escolhia propositalmente as linhas mais movimentadas, com ônibus estupidamente lotados. Teve mais sorte que a senhora, bastou 3 horas e 12 viagens de ônibus pra achar alguém que lhe oferecesse lugar. Foi nomeado Executor de 1ª Instância.
Testes menos rigorosos escolheriam os Patrulhadores. E era tudo voluntário, sem pagamento ou remuneração. Depois de formado um efetivo considerável o plano foi posto em prática. O Ministério fiscalizaria as pessoas.
Quem era pego cuspindo na rua era sentenciado a um beliscão. Urinando, chinelada. Os pixadores e vândalos, que causassem alguma forma de dano direto recebiam os piores castigos, eram enviados para a Vara de Última Instância, o lugar dos quase irremediáveis, a Vara de Goiabeira. Lá ficavam as avós veteranas, com mais de 30 anos de serviço, 2 bisnetos ou 5 netos.
Com a expansão do Ministério e de pessoal, foram atrás dos crimes mais brandos. Arroto em almoço de família. Dívida vencida com o cunhado. Pegar o carro do pai. Responder ao professor. As modalidades de delitos eram vastas e intermináveis, chegaram a cogitar que aquele país longínquo estava sem solução e o Ministério era só um remédio barato e passageiro. O Acampamento Para Irrecuperáveis não deu o retorno esperado, os níveis de reincidência eram altos. Parecia que a situação era caótica. Mas não era.
As mães começaram a se lembrar dos tempos em que elas é que cuidavam de seus filhos, não a rua ou a televisão. Se lembraram de perguntar aos seus filhos aonde eles iam, com quem andavam. Se lembraram de ser mães.
As famílias começaram a se reestruturar. Filhos não matavam, roubavam e nem batiam mais em suas mães. Os pais voltavam pra casa, os filhos não saíam, todos se telefonavam em datas fora da época do Natal ou quando não precisavam de dinheiro. As famílias lembraram de ser famílias.
As escolas iam bem, as notas melhoraram, o respeito era mútuo entre alunos e professores. Ninguém levava arma pra escola, nem de fogo nem branca. Não se fazia mais sexo embaixo da arquibancada no recreio, nem se roubava mouse da sala de informática.
O sexo também era melhor. Não se fazia mais saliência na rua, nas escadas, nos quintais ou no banheiro do Habib's. Os maridos e esposas conseguiam se olhar sem precisar imaginar outras pessoas. A luz podia ficar acesa, as cobertas podiam ficar jogadas no chão, mas não, as crianças não podiam assistir ou ouvir. Os amantes de fim de semana e as profissionais do sexo perdiam seus empregos, ficavam entediados e iam pras pracinhas jogar gamão. Lá, se encontravam, se apaixonavam e se casavam.

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