7 de out. de 2011

Separados por um bule.

Rodolfo acorda de manhã já com aquela costumeira falta de vontade, ele sabe a merda de dia que o espera lá fora. Fez o que todo mundo faz ao acordar, levanta, lava o rosto, dá uma olhada na janela da sala pra checar se o apocalipse zumbi não estourou enquanto ele dormia.
Foi para a cozinha fazer o café. Na verdade, só esquentar o de ontem. Esquentou o café, separou e lavou porcamente o copo. "Preciso catar mais copos no bar do seu Dinga. Quebrou mais um e só sobraram 2". E se deu conta de que não tinha açúcar. Nadica de nada. E foi até a vizinha pedir açúcar.
Saiu pela porta e encontrou ela toda cheia de sorrisos no corredor. "Oi, vizinho, você tem um pouquinho de açúcar pra socorrer sua pobre vizinha?" "Eu tava indo justamente te pedir isso, Tereza. O meu acabou" "É que meu namorado passou aqui bem cedinho e colocou quase um quilo no café, parece que veio aqui só pra isso. Eu tava contando com o seu emprestado" Namorado. NAMORADO. Aquilo ecoou na cabeça de Rodolfo. A gracinha de vizinha que vinha dando bola pra ele há meses. Ele sabia que devia ter chamado ela pra sair. Agora era tarde. O cérebro de Rodolfo ainda conseguiu fazer a boca resmungar alguma coisa antes de voltar pro apartamento processando aquela nova informação. Tudo deu errado. Não era pra ser assim. A entrevista de emprego tinha sido boa, mas ele não conseguiu a vaga. Por causa disso atrasou 2 meses o aluguel, mais um mês e teria que se mudar. A bendita vizinha. O maldito namorado. O maldito açúcar.
"O açúcar. Nem tudo está perdido" Rodolfo saiu de novo, agora determinado a ajeitar alguma coisa em sua vida. Não podia fracassar em tudo. E foi com uma lança caçar o açúcar.
O seu Dinga não tinha. "Ih, rapaz. To atrasado com as compras do mês. Vou ficar te devendo essa"
Na padaria: "Não tem açúcar pra vender, o que tem aqui nós usamos e não dá pra ficar dando assim"
O supermercado mais perto ficava a 30 min de caminhada, mas Rodolfo não ia se dar por vencido. Foi até lá. Aquilo parecia o paraíso de tanto açúcar. Era como se mil Terezas estivessem ali sorrindo e dando aquele tchauzinho inocente dos encontros de elevador. Comprou um saco só, mas pagou feliz. Nem ligou pra longa caminhada de volta com aquele quilo embaixo do braço. Era o resultado da perseverança, o prêmio pela caçada.
Da esquina, viu o prédio. Só mais alguns metros e e estaria em casa. Em casa, com seu açúcar e seu café. Viu também Tereza do outro lado da rua. Linda como sempre. Pensou em alguma coisa interessante pra dizer, alguma música com açúcar na letra pra cantar. Enquanto pensava e atravessava viu um carro estacionar do lado de Tereza. Ela entrou no carro e deu o maior beijo do mundo no motorista. Pela segunda vez naquele dia a realidade ecoava na cabeça de Rodolfo. Só ficou parado ali, desarmado, enquanto o carro ia embora. Não viu o outro carro. Pegou em cheio e foi açúcar pra todo lado. Agonizava ali, agora com a certeza absoluta de que não devia ter levantado da cama de manhã.

*****

Mário acorda de manhã cheio de energia, ele sabe o dia maravilhoso que o espera lá fora. Levanta, lava o rosto, dá uma olhada no sol nascendo.
Foi para a cozinha fazer o café. Repara logo que não tem açúcar. Sem titubear, pega o carro e vai pra casa da namorada acabar com o açúcar dela. Tem um excelente dia e não morre no final.

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